O Santo Português que Conquistou o Mundo.
Santo António de Lisboa, ou Santo António de Pádua, como é conhecido em Itália, é uma das figuras mais veneradas e amadas da fé católica, não apenas na Europa, mas em todo o mundo. Nos PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – a devoção a Santo António está profundamente enraizada, sendo este venerado como uma fonte de inspiração e um farol de esperança.
Herança da influência portuguesa durante o período colonial, o culto a Santo António em países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, persiste até hoje. Através das práticas devocionais, procissões e celebrações festivas, os povos dos PALOP honram a memória deste Santo, que é para muitos um exemplo de virtude, caridade e humildade.
Esta forte ligação a Santo António, figura portuguesa de relevo na história da Igreja Católica, também sublinha a profunda relação cultural e espiritual que une os PALOP a Portugal. O Santo lisboeta, conhecido em todo o mundo, serve de elo entre estes países e a nação portuguesa, ilustrando a influência da fé e da língua portuguesa na construção das suas identidades culturais.
Neste artigo, vamos mergulhar na vida e na obra de Santo António, explorando o seu caminho desde a Sé de Lisboa até à cidade italiana de Pádua e, desvendar, como a sua influência se estende além-fronteiras, permeando a espiritualidade dos povos dos PALOP.
Um Santo Nascido em Lisboa
Santo António, o mais celebrado Santo português a nível mundial, nasceu em Lisboa, segundo reza a história, terá sido em Alfama, numa casa próxima da igreja de Santa Maria Maior, hoje Sé de Lisboa e onde, como testemunha do seu baptismo, se destaca o batistério do século XVIII, um local marcado pela beleza da decoração dos painéis em azulejos.
A influência de Santo António na Sé de Lisboa é ainda visível na escadaria que conduz ao coro alto, onde uma cruz gravada na parede, perpetua a sua presença. Acredita-se que a cruz de Santo António foi gravada pelo próprio Santo como uma forma de repelir uma tentação demoníaca que experimentou enquanto estudava na escola da igreja.
No século XIV e a partir de tradições orais, começou a atribuir-se o nome de Martim ou Martinho de Bulhões, ao seu pai, dito descendente de Godofredo de Bulhões, Comandante da Iª Cruzada, e de sua mãe Maria Teresa Azevedo Taveira, que dizem, descenderia do Rei das Astúrias Fruela Iº (Froila Iº, em galaico-português da época).
No entanto, essa descendência nunca foi confirmada, bem como o nome que lhe foi dado no batismo que terá sido Fernando de Bulhões.
A Simplicidade em Coimbra
Fernando Martins de Bulhões, mais tarde conhecido como Santo António, iniciou a sua formação espiritual sob a orientação da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, na Sé de Lisboa. Ansiando por uma vida de introspeção e simplicidade, Fernando viria a optar pela Ordem Franciscana, um percurso que o conduziu até Coimbra.
O jovem Fernando ingressou como noviço no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, onde se dedicou ao estudo das artes liberais do trivium e do quadrivium. Aos 15 anos, procurando aprimorar a sua formação religiosa e alcançar um maior distanciamento da família e amigos que o visitavam frequentemente, pediu transferência para o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra.
Na época, Coimbra era a capital e o centro intelectual de Portugal. Neste mosteiro, Fernando envolveu-se profundamente no estudo da Bíblia e dos textos dos doutos padres da Igreja. O mosteiro de Santa Cruz, detentor da melhor biblioteca monacal do país, proporcionou-lhe os recursos necessários para intensificar a sua preparação teológica.
O Impacto das Cruzadas
Em pleno século XIII, o mundo cristão encontrava-se envolvido nas Cruzadas, conflitos religiosos contra o Islão, que despertaram novas formas de espiritualidade. Em meio a este turbilhão, surgem figuras carismáticas que mudariam o panorama religioso, como Francisco de Assis.
Em 1209, Francisco abdicou da riqueza da sua casa paterna para adotar um estilo de vida humilde e simples. Com os seus companheiros, formou uma pequena comunidade, propondo uma nova interpretação da vida evangélica.
A filosofia de Francisco de Assis, que valorizava a simplicidade e o sacrifício, exerceu um forte fascínio sobre os jovens da época, em particular aqueles provenientes de famílias abastadas.
Fernando, o nosso futuro Santo António, foi um desses jovens. Na altura a viver em Coimbra, sentiu-se atraído pela filosofia de Francisco de Assis e, após ter conhecido alguns missionários franciscanos que, inspirados pelo espírito de simplicidade e desapego, planeavam partir para Marrocos para evangelizar. Profundamente tocado pela sua devoção, Fernando sentiu um chamado muito forte para se juntar a eles.
Neste cenário de renovação espiritual, motivado pela ideia de uma vida mais humilde de simplicidade e desapego, alinhada com os ensinamentos evangélicos, adotou o nome António e mudou de ordem religiosa, indo para a Ordem Franciscana no eremitério dos Olivais, preparando-se assim para a futura missão que o levaria a Itália.
Marrocos: Uma Viagem Interrompida
O ano de 1220 foi marcado por um acontecimento que abalou a comunidade cristã: o martírio de cinco frades franciscanos em Marrocos. Com a chegada das relíquias desses mártires ao convento de Santa Cruz em Coimbra, António sentiu um chamado profundo para seguir os passos destes mártires e contribuir para a conversão dos muçulmanos à fé cristã. Contudo, o destino tinha outros planos.
Determinado a seguir o seu chamado, partiu para Marrocos. A sua missão, porém, seria interrompida por uma doença grave que o acometeu. Na tentativa de se recuperar, embarcou num navio com destino a Portugal, mas uma violenta tempestade alterou a rota da embarcação, levando-a à Sicília, onde encontrou antigos companheiros frades.
Este inesperado desvio seria marcante para a trajetória de António. Na Sicília, durante um período de conflitos entre o Papa Gregório IX e o rei Frederico II, ele teve tempo para se recuperar.
Com a saúde restabelecida, sentiu que a sua jornada ainda não havia terminado. Em 1221, decidiu então prosseguir viagem para Assis, para se encontrar com São Francisco de Assis, no Capítulo daquela Ordem religiosa.
Assim, uma viagem que começou com o propósito de evangelização em Marrocos foi interrompida pela doença e pela força da natureza. No entanto, essas adversidades não desviaram António do seu propósito maior, apenas alteraram o palco onde a sua missão se desenrolaria.
Um Orador Excepcional
No Capítulo Geral da Ordem Franciscana em 1221, emergiu como um orador distinto. Este evento marcou o início da sua trajetória como pregador da palavra de Cristo, levando-o a viajar por diversas regiões de Itália.
Num episódio significativo ocorrido em Forli, região de Emilia-Romagna, durante a ordenação de alguns frades franciscanos, faltou o pregador originalmente designado para a cerimónia. Foi convidado a intervir, ganhando imediato reconhecimento pela eloquência e fluidez do seu discurso.
O seu talento oratório chamou a atenção do fundador da Ordem dos Franciscanos, Francisco de Assis, que lhe deu aprovação especial para prosseguir o exercício pastoral.Fixou-se então em Bolonha, onde se dedicou ao ensino da teologia, filosofia e à pregação. A sua reputação levou-o a lecionar nas universidades de Toulouse e Montpellier, em França.
Após a morte de Francisco de Assis, em 1226, foi nomeado como representante da Ordem Franciscana junto ao Papa Gregório IX. No ano seguinte, assumiu a posição de Ministro Provincial da Ordem Franciscana na região de Emilia-Romagna.
Durante três anos, pregou por toda essa região, incluindo na cidade de Pádua. Foi neste período que escreveu muitos dos seus famosos sermões, reforçando a sua reputação como um orador excepcional.
Últimos Anos em Pádua
A sua notável capacidade de comunicar de forma compreensível e envolvente atraiu multidões, consolidando a sua reputação. Os seus sermões, imensamente populares, eram muitas vezes realizados ao ar livre devido à grande afluência de pessoas.
Em 1230, António pediu ao Papa que o dispensasse das suas funções como Ministro Provincial, preferindo dedicar-se integralmente à pregação e à contemplação. Nessa fase, vivia quase em clausura no mosteiro que fundara em Pádua.
No ano seguinte, uma doença chamada hidropisia levou-o a retirar-se para descansar no Eremitério de Campo San Pietro, perto de Pádua. Sentindo que o fim se aproximava, regressou a Pádua, onde faleceu no Convento das Clarissas de Araceli a 13 de Junho de 1231.
António era respeitado tanto por clérigos doutos como pelos mais pobres, graças à sua eloquência e à intensidade dos seus sermões. Os seus “77 sermões Dominicais e Festivos” retratavam fervor e autenticidade, defendendo sempre os menos afortunados e repreendendo aqueles que viviam obcecados por bens materiais.
O estudo e a leitura contínua em diversas bibliotecas enriqueceram o seu conhecimento em várias áreas, incluindo ciências naturais, história natural, cosmografia, mineralogia, botânica, física, astronomia e ótica, além dos clássicos como Aristóteles e Plínio, o Velho.
A combinação dos seus dons excecionais e a humildade com a qual defendia a justiça social fez de António um intelectual de renome na Idade Média. Pode-se argumentar que foi o primeiro português a ganhar reconhecimento universal pela sua eloquência e capacidades diversificadas.
Tão profundo foi o impacto da sua vida e obra que foi canonizado no ano seguinte à sua morte, a 30 de Maio de 1232, pelo Papa Gregório IX.
O Legado de Santo António
A morte de Santo António em 1231 deu início a um legado de fé que perdura até hoje. A sua canonização no ano seguinte foi um marco único na história da Igreja.
António é hoje um dos Santos mais venerados da Igreja Católica, admirado pela sua humildade, dedicação à pobreza e incansável devoção ao estudo e pregação do Evangelho. As suas homilias, ricas em eloquência e profundidade teológica, continuam a ser objeto de estudo e veneração.
Na Basílica de Santo António em Pádua, local onde estão depositados os seus restos mortais, milhares de fiéis e turistas visitam anualmente. Esta designação de Santo António de Pádua advém da tradição cristã de os Santos adotarem o nome do local de falecimento ou aparição. Contudo, em Portugal e nos países lusófonos, a sua veneração mantém a origem, sendo conhecido como Santo António de Lisboa.
Santo António, padroeiro dos pobres, oprimidos, animais, pescadores, idosos, grávidas e agricultores, é invocado em busca de ajuda para encontrar objetos perdidos. Sua influência estende-se por todo o mundo, sendo evidente nas muitas igrejas e capelas dedicadas a ele, como a St. Anthony’s Church Kochchikade em Colombo, no antigo Ceilão (atual Sri Lanka).
Esta igreja, que começou como uma humilde capela, transformou-se num importante local de culto, atraindo fiéis de diversas crenças todas as terças-feiras para agradecer e louvar Santo António.
Portugal celebra em grande escala a memória de Santo António. Em Lisboa, a sua cidade natal, as celebrações do dia de Santo António, a 13 de Junho, são um dos pontos altos do ano. A festa anima as ruas, com marchas populares, música e a irresistível e deliciosa sardinha assada, prato típico desta época festiva.
As festividades incluem a tradição venerada dos “Casamentos de Santo António”, onde diversos casais se unem em matrimónio numa cerimónia coletiva na Sé de Lisboa, local que viu o jovem Fernando de Bulhões, mais tarde conhecido como Santo António, dar os primeiros passos para a santidade.
Conclusão
Desde a sua humilde origem em Lisboa até ao seu impacto na Igreja Católica e na sociedade da sua época, a vida de Santo António é um testemunho da busca pela espiritualidade genuína.
A sua história e o seu legado perduram, não apenas nas celebrações festivas de Lisboa e nos PALOP, onde a devoção a Santo António está profundamente enraizada, mas também nas várias igrejas e monumentos dedicados a ele em todo o mundo.
Conhecias a história de Santo António? Também celebras as festividades de Santo António, mesmo não estando em Lisboa? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Ver Também:
Parem de sufocar África, afirmou o Papa Francisco
O papel de África na escravatura transatlântica
Imagem: © DR