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ToggleCafé em Crise: Preços Disparam no Mundo
O mundo acordou em choque por causa do café. A bebida mais consumida do planeta, depois da água, viu o seu preço disparar 94,6% em um ano, segundo os dados da OIC. Nas ruas de Nova Iorque, pequenas cafeterias fecham portas, incapazes de absorver os custos.
De acordo com a OIC, as reservas mundiais estão no nível mais baixo desde 1977, situação agravada por factores climáticos e geopolíticos. O Brasil, responsável por 40% da produção mundial, enfrentou a pior seca em 50 anos. No Vietname, o segundo maior exportador, a colheita de 2024 caiu 27,5% pressionando o mercado de robusta.
“Estamos num ciclo de oferta restrita e procura inelástica”, declarou a OIC em comunicado.
A União Europeia, por sua vez, paralisou 30% das importações ao exigir certificações de sustentabilidade, medida que gerou compras excessivas e paralisou as operações. Enquanto isso, nos EUA, as taxas sobre o café colombiano geraram pânico em Wall Street.
Em África, as exportações subiram 7,1%, mas a falta de infra-estruturas limita o crescimento. Em Angola, o preço do produto importado subiu 80%, reflectindo a tensão mundial.
“O café africano é resistente, mas subvalorizado”, destacou a FAO.
O Que Empurrou os Preços?
A subida começou em Novembro de 2024, quando os futuros do arábica subiram 70% na bolsa de Nova Iorque. A seca no Brasil, aliada às geadas no Vietname, reduziu a oferta global em 18%. A especulação financeira agravou o panorama. Em Fevereiro, a ICE (Intercontinental Exchange) aumentou as margens de garantia para contractos futuros, forçando investidores a liquidarem posições.
“Muitos operadores pequenos saíram do mercado, concentrando o poder nas mãos de grandes latifúndios”.
Explicou Michael Von Luehrte, corretor da MVLcoffee. As políticas comerciais dos EUA adicionaram lenha à fogueira. As taxas sobre o café colombiano, anunciadas em Janeiro, desestabilizaram as cadeias de abastecimento.
“É uma tempestade perfeita: clima, política e ganância”.
Resumiu Renan Chueiri, director da ELCAFE C.A., no Equador. A União Europeia, por sua vez, paralisou 30% das importações ao exigir certificações de sustentabilidade. A medida, suspensa em Março, já havia causado compras por pânico.
Nos países produtores, as falências de exportadoras como a Atlântica Exportação (Brasil) criaram gargalos. Os Bancos cortaram os créditos, e sem liquidez, não há como comprar café dos agricultores. O consumo, contudo, mantém-se firme. Nos EUA, maior mercado global, 64% dos adultos bebem café diariamente.
“É um vício inelástico: mesmo caro, as pessoas não reduzem”.
Afirmou o director-geral da torrefadora norte-americana, Onyx Coffe Lab.
África no Olho do Furacão
África é responsável por 12% da produção mundial, as exportações no continente, subiram 7,1% em Janeiro. Países como o Uganda e a Etiópia encontram-se à frente no crescimento, com a expansão de áreas cultivadas a atrair investidores. Contudo, a falta de portos eficientes limita o seu potencial.
“O café africano é resistente, mas subvalorizado”, destacou a FAO num relatório recente.
Em Angola, onde o café foi outrora “ouro negro”, a produção é residual. Ainda assim, o preço do produto importado subiu 80% em Luanda. A falta de investimento no sector é crítica e força as lojas a venderem café abaixo do custo para não perderem clientes.
Os agricultores angolanos, vem-se forçados a pedir apoio técnico. Domingos Kiala, da Associação de Cafeeiros do Uíge, referiu serem precisas máquinas e formação para relançar o sector. O Ministério da Agricultura prometeu um plano de fomento, mas já se fala há anos, dessa necessidade e nada acontece.
“Sem apoio técnico, os pequenos produtores ficarão excluídos”, alertou a ONG Café para África.
No resto do continente, o desafio são as infra-estrutura. No Zimbabwe, 40% da colheita apodrece por falta de armazéns. A incapacidade de processar grãos força exportações de qualidade inferior, segundo dados da OIC. A certificação sustentável da UE também agrava a situação. Apenas 5% do café africano tem certificações como “Fairtrade”, agravando a barreira comercial.
Reacção à Crise
Nos EUA, os supermercados resistem a aplicar aumentos. O director-geral da marca JavaGold, admitiu que as negociações com as torrefadoras são uma verdadeira guerra. Em Houston, na Conferência Nacional do Café, muitos executivos previram falências em massa:
“Quem não tiver capital, não tem outra solução a não ser fechar”.
Na Europa, os consumidores alemães lançaram boicotes. O activista Klaus Weber afirmou que o café virou um luxo e que os consumidores não aceitam isso. Em Portugal, o governo debate subsidiar as pequenas empresas do sector.
O Vietname, com uma previsão de colheita, em 2025, 10% maior que a habitual, é a luz da esperança. Contudo, no país, persistem muitos desafios logísticos. Nguyen Van Tho, do Mercantile Exchange do Vietname, frisou:
“Precisamos mais do que boas colheitas, precisamos de portos eficientes”.
O Brasil aguarda ansioso a colheita de 2025. Segundo Louis Dreyfus, um gigante do comércio agrícola, se essa produção for forte, os preços caem 30%. Enquanto isso, o país virou um campo de batalha: os fazendeiros investem em irrigação, enquanto os investidores especulam em contractos de futuros.
Do Ouro Negro à Crise
Os preços do café sempre foram um termómetro da economia mundial, oscilando entre crises e bonanças. Em Março de 1977, o índice da Organização Mundial do Café (OIC) atingiu 187 centavos de dólar por libra, valor recorde que permaneceu intocável durante décadas. Na época, os conflitos na América Central e a crise do petróleo reduziram a produção, criando escassez.
Nos anos de 1990, a liberalização dos mercados e a entrada massiva do Vietname como produtor de robusta inverteram a tendência. Os preços caíram para 50 centavos por libra em 1992, mergulhando os agricultores latino-americanos na pobreza
Entretanto, a mudança de século trouxe uma nova volatilidade. Entre 2004 e 2012, as secas no Brasil e as pragas na América Central elevaram os preços para 200 centavos. Na China o café tornou-se símbolo de ascensão social nas cidades e o país emergiu como consumidor-chave, com a procura a crescer 12% ao ano.
A pandemia de COVID-19 (2020-2023) expôs a fragilidade das cadeias de abastecimento e agravou a instabilidade. As interrupções logísticas e as colheitas adiadas, fizeram o índice da OIC subir 50% em 2024.
O mês de Fevereiro de 2025 marcou o ponto crítico: 354,32 centavos por libra, quase o dobro do valor de 1977, marcando um panorama sem precedentes, atribuindo-se a escalada de preços, às secas prolongadas, especulação financeira e a políticas comerciais disruptivas.
A especulação, em particular, amplificou a crise. Dados apresentados pela ICE (Intercontinental Exchange) revelaram que, 40% da subida recente, decorreu de contractos futuros. Os Investidores passaram a tratar o café como um activo em vez de um bem fundamental.
A OIC projecta que os preços só recuarão com a colheita brasileira de 2025, caso o Brasil consiga colher 60 milhões de sacas, estabilizando assim o mercado. Até lá, o mundo permanece refém da volatilidade.
Conclusão
A crise mundial do café expõe as fragilidades do nosso sistema económico: o clima, a logística e as políticas descoordenadas. Enquanto os produtores africanos lutam por um espaço nesse mercado, os consumidores ocidentais enfrentam graves dificuldades no acesso ao café.
A solução mais obvia para evitar a subida do café, passa por um forte investimento em tecnologia agrícola e na cooperação internacional.
“Sem investimento no sector, o café passará a se um artigo de luxo”, alertou a OIC.
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Imagem: © 2025 Francisco Lopes-Santos