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Segunda-feira, Outubro 20, 2025

Cabo Verde: Lusofonia Debate IA Na Literatura

Na Praia, em Cabo Verde, o sol pôs-se sobre o Atlântico tingindo de cobre o céu e a língua portuguesa — nas suas muitas vozes, sotaques e visões — ganhou corpo. Mais de vinte escritores lusófonos reuniram-se em para debater os 50 anos das independências, homenagear Camões e enfrentar um tema que parece saída de um romance de ficção científica: a ascensão da inteligência artificial (IA) na literatura.

Cabo Verde: Lusofonia Debate IA Na Literatura


Cabo Verde transformou-se, entre os dias 16 e 18 de Outubro de 2025, no ponto de encontro onde o passado, o presente e o futuro da língua portuguesa se cruzaram. A cidade da Praia acolheu o XIII Encontro de Escritores da Língua Portuguesa, um espaço simbólico de reflexão sobre a identidade literária comum e os desafios do mundo digital.

Organizado pela União das Cidades Capitais da Língua Portuguesa (UCCLA) e pela Câmara Municipal da Praia, o evento reuniu escritores e pensadores vindos de Angola, Brasil, Moçambique, Guiné-Bissau, Portugal, São Tomé e Príncipe, Galiza e Macau, numa celebração plural que fez da palavra escrita o verdadeiro elo entre povos e gerações.

O tema geral — Independência, Literatura e Inteligência Artificial — revelou uma preocupação dupla: olhar para a história das independências das antigas colónias portuguesas que celebram meio século de soberania e reflectir sobre a nova revolução digital que desafia a essência humana da criação literária.

A presença de figuras como Israel Campos (Angola), Emílio Tavares Lima (Guiné-Bissau), Silvino Lopes Évora (Cabo Verde), Sérgio Raimundo (Moçambique) e Luís Campos Ferreira, secretário-geral da UCCLA, conferiu densidade e pluralidade ao encontro.

Foi um debate de gerações e geografias, onde se reconheceu que a inteligência artificial — longe de ser um inimigo — pode tornar-se ferramenta de apoio, desde que o homem continue a ser o coração da palavra escrita.


A Literatura à Mesa Com a IA


(20251019) Cabo Verde Lusofonia Debate A IA Na Literatura
Imagem © 2025 Cortesia da UCCLA

Mais de vinte escritores lusófonos participaram nas sessões distribuídas por três dias, abordando desde os 50 anos das independências africanas até o V centenário de Camões.

A cerimónia de abertura contou com a presença do Presidente da República cabo-verdiano, José Maria Neves e incluiu a inauguração de um busto de Camões na Biblioteca Nacional — símbolo da herança literária comum. Entre conferências, leituras e debates, emergiram vozes distintas que expuseram tanto os desafios como as potencialidades da era digital.

O angolano Israel Campos, um dos mais jovens presentes, levou à mesa uma provocação: pediu a uma inteligência artificial para escrever um texto sobre literatura e colocou simbolicamente uma cadeira vazia para ela — um gesto que arrancou risos e reflexão.

“A inteligência artificial reproduz o imperialismo, divide para reinar”.

“Como expulsar um colono que já decidiu que vai ficar?”, afirmou Israel Campos.

De Cabo Verde, Silvino Lopes Évora observou que “quem lê humanos reconhece máquinas”, defendendo que a escrita criativa continua a ser um exercício da alma. O guineense Emílio Tavares Lima descreveu a literatura como “o algoritmo da humanidade”, apelando à resistência contra a automatização do pensamento. Para ele, escrever continua a ser “um acto de amor e de insubmissão”.

O moçambicano Sérgio Raimundo, por sua vez, trouxe humor e ironia, contando um episódio da infância que misturou ficção e memória, demonstrando que o riso também é forma de resistência cultural. A diversidade de abordagens mostrou que, apesar das diferenças, a língua portuguesa mantém-se como território de encontro.

Palavra e Máquina


(20251019) Cabo Verde Lusofonia Debate A IA Na Literatura
Imagem © 2025 Cortesia da UCCLA

O ponto alto do debate em Cabo Verde, surgiu quando se discutiu o papel da inteligência artificial na criação literária. A maioria dos autores reconheceu a utilidade das novas ferramentas para tarefas técnicas, mas insistiu que a emoção e a dor humanas são insubstituíveis. O secretário-geral da UCCLA, Luís Campos Ferreira, sintetizou:

“A inteligência artificial ainda não tem dores, ainda não tem amores”.

“A escrita é emoção, é empatia, é sofrimento”.

“Só quem escreve sabe quanto dói escrever”.

As suas palavras soaram como um manifesto em defesa da sensibilidade literária face à frieza algorítmica. Contudo, o debate não se fechou num romantismo nostálgico. Houve quem sublinhasse que África não pode ficar à margem desta revolução.

Como afirmou Tavares Lima, “é preciso reduzir as assimetrias” e dar força aos países africanos para que não sejam apenas consumidores, mas criadores de tecnologia e pensamento crítico.

A mesa que uniu literatura e máquina tornou-se metáfora do próprio encontro: uma tentativa de diálogo entre o humano e o digital, entre o sentimento e o cálculo. Os escritores que sempre foram guardiões da língua, viram-se desafiados a reinventar a própria noção de autoria — sem ceder à homogeneização das máquinas, mas também sem fechar portas à inovação.


Língua e Independência


(20251019) Cabo Verde Lusofonia Debate A IA Na Literatura
Imagem © 2024 Observatório da Língua Portuguesa

Outro eixo essencial do encontro que se realizou em Cabo Verde, foi o das independências africanas. Ao longo das intervenções, recordou-se que a literatura foi e continua a ser, um instrumento de emancipação e memória. Os 50 anos da libertação das ex-colónias portuguesas foram vistos não apenas como motivo de celebração, mas como oportunidade de balanço.

Campos Ferreira advertiu que “a independência não deve ser vista como um museu”, mas como um processo vivo, aberto ao debate e à autocrítica e acrescentou:

“Já há distância histórica suficiente para olharmos para esses momentos com maturidade, sem contas por ajustar”.

Os escritores partilharam o mesmo entendimento: a literatura é ponte e espelho, não arma de separação. A língua portuguesa, falada por mais de 260 milhões de pessoas é, segundo o secretário-geral da UCCLA, “o chão comum que une todos os que nela sonham e criam”.

A sessão dedicada a Camões, o “grande ajustador da língua portuguesa”, reforçou essa dimensão. O busto inaugurado na Biblioteca Nacional foi apresentado como símbolo de uma língua em movimento, viva, mestiça e cada vez mais africana.

Os debates da Praia não foram meros exercícios académicos. Foram, antes, actos de resistência cultural. Num mundo onde algoritmos escrevem romances e inteligências artificiais pintam quadros, os escritores lusófonos reafirmaram a literatura como última fronteira da humanidade.

“Não se trata de recusar a tecnologia, mas de garantir que a alma continue no comando”, esclareceu Silvino Évora.

A ideia de que a escrita deve preservar a emoção humana dominou o encontro, mas acompanhada de uma consciência pragmática: as novas ferramentas devem ser usadas para dar mais força aos escritores e aos leitores africanos, não para substituí-los.

Este equilíbrio entre tradição e modernidade — entre resistência e adaptação — foi o verdadeiro eixo do encontro. No fim, ficou clara a mensagem: a literatura lusófona, atravessada por séculos de história e dor, está preparada para dialogar com o futuro sem abdicar da sua essência.


Conclusão


O XIII Encontro de Escritores da Língua Portuguesa na Praia deixou uma marca profunda: mostrou que a língua é um organismo vivo, capaz de se reinventar sem perder o pulsar humano. Se a inteligência artificial ameaça uniformizar a escrita, também oferece novas ferramentas para expandir a criatividade — desde que guiadas por consciência ética e sensibilidade.

Cabo Verde tornou-se, por alguns dias, o coração do diálogo lusófono sobre o futuro da literatura. O encontro serviu para reafirmar que, enquanto houver quem escreva com alma, a máquina nunca dominará completamente a arte de dizer o mundo.

A literatura, como explicou um dos participantes, “é o último reduto da humanidade”. E talvez seja essa a lição maior: num tempo de algoritmos, a palavra continua a ser o lugar onde o homem se reconhece — vulnerável, criativo e infinitamente livre.

 


O que achas do que foi dito neste encontro de escritores lusófonos em Cabo Verde? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2025 Cortesia da UCCLA
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